quinta-feira, 9 de setembro de 2010

António Manuel Ribeiro, vocalista do UHF

Entrevista de Adelino Sá

Como se encontram os UHF, depois de uma longa caminhada até aos dias de hoje?
Encontramo-nos num momento de grande felicidade. Ultrapassámos trinta anos de carreira. Lançámos um DVD e um duplo CD este ano, que se chama "Absolutamente ao vivo", gravado no Coliseu de Lisboa, e estamos em digressão e em simultâneo estamos a gravar nos espaços livres. Estamos a gravar um trabalho de originais que ainda poderá sair este ano ou no início do próximo ano. E é bom este momento que estamos a viver e é disto que um músico precisa, que é concertos, discos e canções novas…

Como é que o António Manuel Ribeiro vive o momento actual da música portuguesa?
Acho que já viveu melhores dias e penso que a música portuguesa está um pouco estagnada… talvez porque houve um encolhimento natural dentro do país, como houve no resto do mundo. Nós somos pequeninos e houve um encolhimento da indústria, naturalmente se há menos dinheiro para investir, menos projectos podem aparecer. Há uma renovação da música portuguesa que se faz um pouco por esticão. Não há um rio a correr como havia há uns tempos atrás, que todos os anos mostrava cada vez coisas novas, mas por outro lado há outra coisa nova que é a divulgação através da Net… há muitos trabalhos que as pessoas começam por fazer em casa e no outro dia estão a ser divulgados… eu digo muitas vezes com alguma ironia e com alguma experiência, que a música portuguesa entrou mais cedo em crise na era digital do que a crise mundial sócio e financeira que vivemos… e por isso também vamos sair mais depressa da crise, porque estamos há mais tempo a pensar em soluções… e acho que só se pode sair de uma crise com soluções novas.

Depois de trinta anos de carreira e fazendo um pouco uma retrospectiva, que é que te faltou fazer?
Menos disparates (risos). Bem, acho que alguns que fiz fizeram parte do meu crescimento e da minha ingenuidade, portanto vivi intensamente. Não está tudo feito… o artista compositor vive todos os dias para uma coisa que se chama aperfeiçoamento… nós vivemos para isso que é o aperfeiçoamento e isso é algo que está sempre inacabado…

Vamos falar de algo que poucos conhecem e que foi quando os UHF lançaram o António Variações… que pela sua enorme excentricidade foi algo de inovador no seu tempo… queres falar um pouco sobre o que aconteceu?
Olha, penso que foi em 1982, o Variações tinha lançado um Maxi-Single onde tinha aquela fantástica versão"Povo que lavas no Rio", e a Valentim Carvalho, que era nossa editora na altura, pediu-me se o podíamos apresentar numa primeira parte dos UHF num concerto que se fazia às noites de quinta-feira na antiga Feira Popular de Lisboa, que já desapareceu, e que eram transmitidos em directo pela Rádio Renascença, no programa de dois amigos meus, que se chamava "Meia de Rock" e tinha lá o Luís Vita e o Rui Pego, actual director da Antena 1. Naqueles espectáculos todas as pessoas podiam assistir e o António tinha uma peculiaridade muito grande, na forma de se vestir e de se produzir. Para esse espectáculo apareceu vestido de toureiro… sozinho no palco, era em play-back e ele só dava a voz. Então uns caramelos, que não gostaram ou acharam que era hora de provocar o cantor, decidiram começar a lançar umas pedrinhas, espécie de gravilha, lembro-me perfeitamente disto, para o palco. Ora, nós estávamos a apresentar um colega novo, ele estava ali sozinho no palco, aquilo deu-me uma raiva tão grande que entrei em palco, peguei no microfone e insultei as pessoas. Até provoquei, que quando terminei pensei que iria levar uma tareia de seguida… mas não, bateram palmas e o Variações pôde fazer o seu espectáculo e no final tudo correu bem… foi assim que tudo aconteceu…

Não é estranho muitos dos seus colegas pegarem nas suas canções e reeditarem discos e discos, e agora fala-se do António Variações como um ícone daquele tempo?
Não é normal enquanto ser humano, há coisas que não me agradam muito da vida. Vê o que aconteceu com o Michael Jackson, depois da morte dele estoiraram todos os Tops com as suas canções. O que eu acho é que depois de morto nós podemos chamar muitas coisas às pessoas e podemos usá-los em várias situações. E é pena, porque o Variações que eu conheci em vida, era uma pessoa muito solitária, não tinha muitos amigos, eu privei várias vezes com ele, há dias falava disso mesmo com uma antiga namorada minha dessa altura quando nós íamos ao "Frágil", e ele estava lá ao canto, sozinho, e poucas pessoas falavam com ele. Eu falei muito com ele sobre diversos temas e hoje vejo coisas ditas, publicadas, que me fazem um pouco de impressão, mas é a indústria da comunicação social que se serve dos mortos para ganhar dinheiro…

Sabemos que os UHF estão em estúdio a gravar um novo trabalho. Podes adiantar-nos algo sobre o mesmo?
Os UHF têm uma pele, como tal segue a mesma linha de todos os outros, melhora-se porque há avanço tecnológico e servimo-nos dele… nós temos uma identidade própria e o que estamos a gravar são coisas muito bonitas… é uma resposta aos casos da nação…

Existe algo que vos leve a provocar?
Não sei se é de provocar ou se é de unir. Eu só gosto de provocar os muito poderosos, que vai desde o governo às elites que estão estáveis no país. Mas há um grande sofrimento em Portugal. Eu não gosto que as pessoas se vão abaixo, eu não gosto que as pessoas se queixem, eu detesto o queixume… eu acho que é de nós, até porque somos uma nação com uma grande história, e isto não é demagogia, nós temos exemplos ao longo da nossa História que demonstraram que somos capazes. E somos capazes quando queremos inovar, quando queremos ir mais longe… eu tenho uma canção que se chama “Portugal somos nós"… porque é isso… Portugal não são as estradas, não são os estádios de futebol, Portugal não são as empresas estrangeiras que sugam o melhor de nós e depois fecham as portas, Portugal são os portugueses.

As telenovelas também é a vitrina da música portuguesa?
É… se me perguntasses há quatro anos, eu teria dúvidas, mas nos dias de hoje efectivamente é a vitrina da música portuguesa. As telenovelas da TVI e da SIC, produção nacional, neste momento fazem uma divulgação mais eficaz do que as próprias Rádios.

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