sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Artur Agostinho, Comunicador

Entrevista de Adélio Amaro

A sua apetência pela Rádio surgiu ainda no seu tempo de estudante?
A apetência pela Rádio começou ainda em garoto – tinha os meus 12/13 anos, portanto logo nos meus primeiros tempos de Liceu. Nas horas de lazer, depois de terminados os deveres escolares, entregava-me ao prazer fascinante de ficar a ouvir rádio, durante horas e horas. Também a colectividade do meu Bairro – o Campolide Atlético Clube – teve, nos finais dos anos 30, grande influência na minha decisão de enveredar pela vida artística.
Foi, sem dúvida, o Rádio Clube Português – o velho e saudoso CT1GL – que mais contribuiu para essa profunda paixão que iria acompanhar-me pela vida fora.

Para um jovem, no início da sua carreira, como era conviver com grandes nomes da Rádio, em plena década de trinta, como Fernando Pessa, Olavo de Eça Leal e Maria de Rezende?
Foi a realização de um sonho que parecia impossível ou… quase. Foi dos acontecimentos mais gratificantes da minha vida que me fez sentir que vale sempre a pena sonhar e acreditar que a concretização dos nossos desejos também depende, em grande parte, de nós próprios, da nossa persistência, da nossa força de vontade, do nosso trabalho e de um pouco de… paciência. Além do mais, é muito importante e decisivo que saibamos aproveitar, no momento certo, a oportunidade que o Destino coloca ao nosso alcance, por vezes quando menos o esperamos. Quando comecei a conviver profissionalmente com esses “monstros sagrados” da Rádio e, muito especialmente, com o João da Câmara (ele não gostava que eu o tratasse por “Dom”), foi muito importante ter a humildade de ouvir os seus conselhos, absorver os seus ensinamentos e reconhecer alguns “vícios” adquiridos e acumulados na fase de simples amador, por falta de quem, com autoridade para o fazer, me corrigisse.

Mais tarde teve a grande oportunidade de entrar para a Emissora Nacional. Como é que se deu esse passo importante na sua vida?
Foi no antigo Café Palladium, onde se reunia uma tertúlia de gente da rádio e do cinema, que fui abordado pelo Francisco Matta, jornalista de “O Século” e produtor da Emissora Nacional. Convidou-me a participar num concurso para locutor que a EN iria abrir no sentido de colmatar a sangria que se verificara no seu quadro de locutores, com a saída de Maria de Rezende, Áurea Rodrigues, Olavo de Eça Leal, Jorge Alves (contratado por uma emissora norte-americana para apresentar o programa “Voz da América”) e ainda a perspectiva da demissão, já anunciada, de Fernando Curado Ribeiro.

Durante essa fase da sua vida tinha noção que a sua voz começava a ser uma marca para quem escutava rádio, já em plena década de quarenta?
Apenas nos finais dessa década e começo dos anos 50, comecei a ter alguma noção de que um número razoável de ouvintes me distinguia com a sua preferência. Além do programa “Que quer ouvir”, os “Serões para trabalhadores” e, principalmente, o “Programa da manhã” deram-me alguma popularidade para o que contribuiria, mais tarde, para a minha participação assídua na área desportiva – principalmente nos relatos de futebol, no hóquei em patins e na “Volta a Portugal” em bicicleta.
Sinceramente, nunca confundi “popularidade” com aquilo a que poderá chamar-se a “marca” de uma voz.

Recorda o seu primeiro trabalho no exterior?
A minha primeira reportagem, ao serviço da Emissora Nacional, foi a de um lançamento à água de um barco destinado à nossa Marinha mercante. Curiosamente, a cerimónia que contou com a presença do então Presidente da República, general Óscar Fragoso Carmona, foi marcada por uma peripécia que teve aspectos verdadeiramente insólitos. No momento em que o Presidente lançou a tradicional garrafa de “champanhe” contra o casco do navio e este começou a deslizar pela rampa de lançamento, o seu movimento não foi além de aproximadamente um metro. O incidente provocou algum mal-estar porque as diligências a que procederam, de imediato, os responsáveis do estaleiro não resultaram.

Durante as décadas de quarenta e cinquenta acompanhou grandes vedetas do Desporto. Quais foram os nomes do mundo do Desporto que mais recorda dessa época?
Foram tantos que, se tivesse a veleidade de os citar a todos, correria o risco de cometer a injustiça de esquecer alguns deles. Em todo o caso, desde as grandes figuras dos tempos mais recuados, como Azevedo, Carlos Gomes, Chico Ferreira, Félix, Manuel Passos, as famosas “torres de Belém”, o Barrigana, ou os inesquecíveis “cinco violinos” do Sporting (Jesus Correia, Vasques, Peyroteo, Travassos e Albano).
Depois, os “europeus” do Benfica (entre os quais Costa Pereira, Germano, Coluna, José Augusto, Águas, Torres, Simões e Eusébio), o Morais, do Sporting, que me deu aquela extraordinária alegria da conquista da “Taça das Taças”, ou os “heróis” do Mundial de 66, são nomes guardados para sempre na minha memória, como a “velha guarda” do hóquei em patins (Emídio Pinto, Raio, Edgar, Jesus Correia e Correia dos Santos) ou grandes atletas como Manuel Faria, Manuel Oliveira, Carlos Lopes, Mamede ou ciclistas como Alves Barbosa, Ribeiro da Silva, Sousa Santos, Sousa Cardoso, Jorge Corvo, João Roque e o incomparável Joaquim Agostinho.
Que me perdoem todos aqueles que não incluí nesta citação mas o espaço não dá para todos – embora sejam muitos os que mereciam uma referência especial.

Depois da rádio nasce o “amor” da televisão. Recorda a sua primeira presença na RTP assim como o primeiro programa em que participou ou apresentou?
Lembro-me de ter participado numa das primeiras emissões experimentais da RTP, realizadas no antigo recinto da Feira Popular, nos terrenos hoje ocupados pela Fundação Gulbenkian. Curiosamente, foi o Baptista Rosa que me foi esperar ao Aeroporto de Lisboa, no meu regresso de uma viagem ao serviço da Emissora Nacional não me permitindo sequer que fosse deixar as malas em casa. “Arrastou-me” directamente para a Feira Popular, tendo a minha bagagem ficado no carro da RTP que me transportou, afim de participar num programa de Variedades que estava a ser apresentado pelo locutor Domingos Lança Moreira. Ali, contei duas ou três anedotas para uma plateia de mais de um milhar de espectadores, nessa altura, completamente “apanhados” por essa novidade chamada televisão. Só depois, me levaram a casa para desfazer as malas, tomar um banho e descansar.
Passei, depois, a colaborar regularmente na RTP onde me estreei no seu primeiro concurso, chamado “Veja se adivinha” e que foi o percursor do que viria a ser o famosíssimo “Quem sabe, sabe”.

Depois de vários “amores” como a Rádio, a Televisão, surge uma nova paixão – o Jornalismo. Gostou da experiência enquanto director do jornal desportivo “Record”?
Foi uma experiência muito enriquecedora na vida de jornalista, até porque me entreguei, de alma e coração, à tarefa que me confiaram. Creio, sem falsa modéstia, que fui um director 100% participativo na feitura do jornal. Desde a concepção, à escrita, à paginação na tipografia do “Diário Popular” e à própria impressão, fazia questão de acompanhar todas as etapas da feitura do “Record”.

Teve a oportunidade de trabalhar e conviver com grandes artistas. Mas, existe uma artista, que agora se comemora o 10.º aniversário do seu falecimento, que levou o nome de Portugal por todo o Mundo – Amália Rodrigues. Que recordações tem dela?
Já, em diversas ocasiões, tenho expressado a minha grande admiração pela inesquecível Amália e a amizade que mantivemos ao longo de muitos anos.
Amália foi um caso único na nossa, infelizmente, tão limitada constelação de artistas cujo nome e talento ultrapassaram as fronteiras deste País, tão pequeno em território mas de alma tão grande e generosa. Ela foi, sem dúvida, uma autêntica “bandeira” de Portugal, perpetuada pela sua voz inconfundível que viverá para sempre na memória da nossa gente.
Pessoalmente, era uma mulher simples, generosa e humilde com quem se podia contar, tanto nas horas boas como nos momentos difíceis.

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