quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Carlos Alberto Moniz, Maestro, Apresentador

Entrevista de Adélio Amaro
Desde o início da sua carreira que se dedica à música. Como é que esta surge na sua vida?
Quer quisesse quer não quisesse já o meu avô, João Moniz, era maestro e violonista. Fez uma recolha muito grande da música popular açoriana. Existem muitos manuscritos. Eu tenho alguns desses manuscritos, das nossas modas: “O Sol perguntou à Lua”; “São Macário” a “Lira”... tenho os manuscritos dele. Depois, o meu pai foi embalado aos ensaios da Orquestra do meu avô e adormecia, muita vez, no sofá enquanto a Orquestra tocava. A seguir, o meu pai, pianista de uma Orquestra de Jazz, tocava, também, em casa e eu lá ia adormecendo ao som do meu pai.
Mais tarde, comecei a aprender piano e violino com o mestre Raul Coelho, professor de piano e harmonia, da Terceira, e com o mestre Manuel Arraial, professor de violino, de São Miguel.
Alguem tempo depois, fui estudar para Lisboa, entrei para o Conservatório, além de Agronomia, fui aprendendo sempre com mestres como Pedro Osório e outros que me passaram parte do saber que tinham, porque o saber integral não se consegue passar.

Os grandes mestres, quando deixam a vida terrena, levam o saber completo com eles...
O que eu tenho mais pena da morte das pessoas... pode ser uma posição um bocadinho egoísta... é o saber que com elas desaparece porque não foi possível fazer save no disco externo. E, existe tanta sabedoria que se foi embora e não ficou registada que me faz muita impressão, além da falta que os amigos fazem e da saudade... tenho este pensamento um bocadinho materialista, confesso. Mas, se eu pudesse ter a arte de um Antero de Quental, de um Nemésio ou de um Mozart ou mesmo de um Beethoven, ou de outros mais recentes...

Conviveu e convive com grandes homens e mulheres do mundo da Música e da Literatura. Nos primeiros anos da sua carreira tinha noção de que estava a conviver com homens e mulheres de grande valor e até, de certa forma, mais evoluídos que os restantes?
Mais agora do que na altura. Passava muitos serões com Luís Tó Monteiro, Bernardo Santareno, Afonso Praça, José Carlos Ary dos Santos, Fernando Tordo, Paulo de Carvalho e muito mais gente. Aliás, uma vez perguntaram à Lúcia, a minha filha, porque é que ela não era vaidosa e ela respondeu: “porque é que eu hei-de ser vaidosa se eu comia sopa ao colo do Fernando Guerra, com o Paulo de Carvalho a dar-me o bife e o Fernando Tordo a descascar- -me a fruta! Quem sou eu, se fui educada ao colo desta gente toda”.
De facto era gente muito importante e a prova é que a obra ficou. A importância era tal que me marcou em termos de conduta como cidadão. Tenho, agora, consciência do que eram Zeca Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Carlos Paredes... fartei-me de correr mundo a tocar com eles e a gravar discos... é gente que me ensinou que viver não é só comer, beber e defender uma outra posição, mais ou menos, rigidamente. Temos que ter na prática, do dia-a-dia, a coerência com aquilo que afirmamos. Não basta ir cantar uma cantiga sobre a Liberdade e depois ser um déspota no dia-a-dia nem falar em solidariedade e depois esquecer a solidariedade. Hoje em dia se a gente perguntar a qualquer pessoa o que é que pensa dos deficientes, toda a gente diz: “temos que ajudá-los muito, temos que ter muito respeito”. Mas, se atravessarmos uma grande cidade são milhares, não são centenas, de automóveis em cima dos passeios. E, se, por exemplo, um deficiente quiser passar de cadeira de rodas, não passa. E, se perguntarmos a cada uma dessas pessoas, todas têm muita pena e todas são caridosas lá da sua forma especial.
Portanto, fui aprendendo, ao longo da minha vida, com estas grandes figuras, como Sophia Mello Breyner, Nemésio e outras que me vou lembrando aos poucos... a ter o cuidado da palavra mas também o que as palavras querem dizer... não basta juntar palavras bonitas, as palavras juntam-se e fazem frases, as frases definem ideias e quando se dizem determinadas frases essas ideias, que estão subjacentes, ou as praticamos ou então vamos para actores representar o papel de outros...

Ao longo da sua vida, esteve quase sempre ligado à Música, passou ligeiramente pelo Cinema, fez Televisão, mas existe um pormenor que lhe está sempre patente – nunca esqueceu os Açores...
Eu costumo dizer que vivo nos Açores, só que o meu trabalho é muito longe e passo muito tempo fora de casa. Tenho a minha casa na Praia da Vitória, ilha Terceira, só que por vezes, estou no Canadá, estou em Lisboa, estou no Porto, estou no Alentejo... África do Sul, Timor, Brasil... nunca paro no mesmo sítio e 90% dos contactos que tenho são açorianos que me chamam para ir aqui e ali.

E, no caso concreto da Lusofonia, através do programa que tem na RTP, "Portugal sem fronteiras", tem encontrado açorianos no meio Lusófono que está espalhado pelo Mundo?
Tenho. Se bem que eu acho que ser açoriano não é formar um clube de elite mas, sim, defender os nossos valores, as nossas gastronomias, a nossa música popular, as nossa touradas à corda, as nossas marchas, os nossos bailinhos de Carnaval, existe uma necessidade muito grande de divulgar isso o mais possível.
Hoje em dia, numa sociedade em que a comunicação é tão fácil, já não existe especialidades, obras, receitas, manifestações culturais que sejam só na região onde são feitas. São exemplo os bailinhos de Carnaval, que eram uma coisa que se fazia e se faz, felizmente, 60, 70, 80 bailinhos que saem em cada Carnaval, na ilha Terceira, inspirados nas cegadas do Continente. Tudo isto, alguns anos para cá, está na Net. Portanto, podemos estar em Timor, nos Estados Unidos ou no Médio Oriente a ver bailinhos de Carnaval. E, por isso, é que eu acho que ser Açoriano não é fechar as coisas no baú da nossa memória mas, sim, levá-la a todos.

Na sua carreira, onde é que se sentiu mais realizado, sabendo que além de compor, participou no Festival da Canção e na Eurovisão onde dirigiu a Orquestra, participou em vários programas de televisão como responsável pela composição musical, fez espectáculos?...
Eu tento nunca ser um artista ou cidadão como aqueles falsos arquitectos que costumo designar. Existem muitos artistas e criativos a quem se pergunta: "que é que estás a fazer?". Eles dizem: "tenho um projecto, ando há quinze anos a pensar nisso, mas ainda não está bom para apresentar". Eu, durante os últimos quinze anos, se calhar, os projectos não serão tão bons como esses pensadores mas, a verdade, como disse, é que já fiz televisão, fiz cinco anos de rádio em que entrevistei as finas flores, desde a ala esquerda à ala direita, desde o Garcia Pereira ao José Ribeiro e Castro, por exemplo, passando por todos os outros representantes da justiça e do poder. Na televisão estou a fazer um contacto que está a correr muito bem, que tem portugueses que nos ligam desde o Médio Oriente, Macau, Timor, além das Américas e toda a Europa.
O dirigir a Orquestra foi uma das sensações de poder maior que eu tive na vida, particularmente na Eurovisão, sabendo que estavam milhões de pessoas, tanto na Suécia como na Jugoslávia, embora também tenha estado na Noruega. Mas, nestes dois primeiros em que fui dirigir a Orquestra e que estava com os braços prontos para dar entrada, passou-me pela cabeça: e se eu agora não entrasse, como é que era? É uma sensação de poder.
Claro que entrei. Se não tivessem confiança em mim a RTP não me tinha mandado lá. São estes grandes desafios que eu gosto de correr.
Estreei, alguns meses, uma Cantata com um coro de oitenta e tal figuras e uma Orquestra de cinquenta e tal e com quatro solistas, soprano, contra-alto, baixo e tenor sobre os 25 anos de Património Mundial, que também está na Net: “Cantata Património Mundial Angra do Heroísmo”.

E o Teatro, a Revista e o Cinema?
Para Teatro nunca tive jeito. Fiz muita música para Revista. Cinema fiz alguma coisa porque o Jorge Paixão da Costa e o Moita Flores são "malucos" e acham que eu sou actor. Ou, então, querem rir de mim ou são mesmo meus amigos. Já me colocaram a representarem vários situações mas, penso que o fizeram por amizade. O que eu gosto, mesmo, é de improvisar, disso não tenho medo nenhum.

Acontece um pouco isso com o seu programa "Portugal sem fronteiras", na RTP, com a ajuda da Diamantina?
Sim, porque a Diamantina é uma grande companheira que eu tenho no programa, é do Peso da Régua, estamos sempre a brincar com a situação de eu ser Açoriano e ela do Porto, eu do Benfica ela do FCP, estamos sempre pegados mas, é um conflito de gerações apenas...

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