quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Jorge Fernando, Músico

Entrevista de Adelino Sá

Nos dias de hoje toda a gente fala do Fado. Será que o Fado merece toda esta atenção e porquê?
Eu acho que o Fado despertou esse interesse e merece que assim seja. É evidente que quando muita gente se volta para o Fado, é porque o Fado dá votos, neste momento. Chega ao Fado muita gente que fala sem terem o direito de falarem nele. Muita coisa se escreve sobre o Fado e sobre a sua origem. Eu penso que o Fado é um mistério, porque existem várias correntes sobe a natividade do Fado… prefiro a corrente do José Régio onde ele diz " que o Fado nasceu um dia, quando o vento mal bulia, o céu ao mar prolongava, na morada de um veleiro num peito de um marinheiro, que estando triste, cantava". Penso que é aí que o Fado nasce. Quando os marinheiros partem de Alfama, partem de Lisboa para conquistar o Mundo sem saber para onde iam, e sem saber se regressariam um dia. E as pessoas que ficavam no cais a despedirem-se deles, também não sabiam se os voltariam a ver. Como em tudo na vida, quando se dá expansão do Fado, esta exposição que por vezes chega a ser excessiva, há sempre gente que fala com razão e outra sem qualquer razão. Mas a minha opinião é que o Fado é genuinamente português.

Temos vindo a assistir nos últimos tempos â introdução de novos instrumentos ao Fado, como é caso dos violinos, percussão e piano… Na sua opinião, beneficia ou vem adulterar de alguma forma o castiço, a originalidade ao Fado?
Talvez não seja a pessoa ideal para falar sobe isso, porque fui eu que introduzi pela primeira vez outros instrumentos ao Fado. O que eu acho é que se pode mudar a forma sem mudar o conteúdo. A Amália canta o "Somertime" em inglês, que não é um Fado, mas quem a ouve sente que é uma fadista, porque o Fado é uma questão de alma, de conteúdo. A alma não se liga ou desliga consoante se quer. Podem-se fazer inovações porque o Fado não é mais do que uma música que tem que ser tirada da caixinha do sapato, não é. O que por vezes se faz é descaracterizar, mudando a forma e o conteúdo…ou seja a forma pode ser mudada, mas o conteúdo não. Tem que haver sempre fado naquilo que se faz. De resto qualquer instrumento pode ser usado no Fado, na minha opinião, desde que alma de quem o canta e de quem o toque seja fadista.

O Jorge Falou na Amália. O seu percurso começou com a Amália?
Começou com vinte anos. Penso que foi uma das minhas maiores sortes da minha vida porque hoje não seria a mesma pessoa, tanto no campo social como no musical, se não tivesse passado estes anos todos pela Amália, já que ela era uma fonte inesgotável de aprendizagem. Eu tive sempre o cuidado de aprender, fui sempre muito curioso, portanto muito do que sou hoje lhe devo.

Muitos dizem que o Fado não seria aquilo que é hoje, senão fosse a Amália. Concorda com esta expressão?
Perfeitamente. Ela mudou tudo. Desde o uso do xaile, aos vestidos, passando depois pelo próprio canto. Repare que passados tantos anos, depois do aparecimento da Amália, se continua a não esgotar o repertório da Amália e os fadistas que chegam, salvo raras excepções, são todos trazidos pela sua mão… o Fado e mesmo a própria cultura portuguesa, porque a cultura portuguesa se expandiu através da própria Amália, lhe devem muito. O Fado não seria o mesmo sem a Amália.

Fado é saudade?
Também é. Fado quer dizer destino e destino relaciona-se com a vida. O que o Fado tem e o que me fascina no Fado é o relato do dia a dia das pessoas. Agora porque se atribui mais saudade e lamento ao Fado? Porque na história da humanidade é muito mais marcante o que dói do que faz sorrir. É muito mais marcante a saudade do que aquilo que a gente já nem se lembra Diz-se que é através da dor que as pessoas crescem. E a saudade é uma dor, não é a rir que a gente cresce. Sofrendo os padecimentos ultrapassando-os. Qualquer Fado que fale de saudade e de tristeza é mais marcante do que uma marcha.

Qual é a importância que atribui aos poetas para as letras para o Fado?
Eu acho que não é só no Fado. Toda a música serve para levar as palavras. A música sem conteúdo, sem mensagem não tem a mesma força…repare, o Bach o Beethoven, Mozart, fizeram grandes músicas mas elas não se cantam na rua, porque na sua maioria faltam-lhe as palavras… e muitas delas bastantes fáceis de se cantarem, como a nona de Bethoven…penso mesmo que a música serve para levar as palavras. O segredo das palavras é nós identificarmo-nos com as mesmas através da música. Se a música for boa, através dos relatos das palavras, então aí o casamento é perfeito...

Eu que conheço muitas das suas letras, na minha opinião, o Jorge é um grande poeta. Para quando a publicação de um livro?
Obrigado. Estou farto de ser tentado e acho que ainda é cedo. Penso que tenho que escrever muito mais para escrever um livro. O papel aceita tudo aquilo que a gente quiser lá pôr…dá-se, por vezes, pouco valor ao livro em si. O Livro, como um disco, é uma obra sagrada que nos persegue a vida toda. E nos dias de hoje fazem-se livros por tudo e por nada, o fulano que traiu fulana e vice-versa… penso que se um dia escrever um livro com os meus poemas, têm que ser os melhores, e eu ainda estou na idade de amadurecimento e acho que ainda vou escrever coisas que talvez venham a traduzir melhor o que sou num livro. Vou esperar que a idade me retoque melhor ainda.

A sua fonte de inspiração, são as letras ou a música ou são os dois?
São os dois. Às vezes aparece a letra primeiro, outras vezes é a música que aparece antes… e, normalmente, as duas coisas ao mesmo tempo…

A inspiração aparece, ou é apenas um acaso?
Eu não acredito no acaso. Acho que nada é por acaso, tudo tem um significado na vida. Há uma palavra grega, que significa corrente de pensamento, onde tudo está plasmado e nada aparece por acaso. Eu não escrevo letras e músicas diariamente, tenho um intervalo próprio que sinto quando devo escrever e quando assim é, isolo-me completamente do mundo, parafraseando Fernando Pessoa, é aquela ansiedade crescente que me obriga a escrever. É a isto aquilo a que eu chamo inspiração. Muitos dizem que aquilo que faço é só por vaidade, mas qual vaidade se aquilo que faço não sei se é feito apenas por mim, como diz Pedro Homem de Mello. Não sei se aquilo que faço apenas por mim, sei apenas que sinto aquela necessidade de escrever, é como uma energia me passasse e eu seja apenas um veículo de qualquer que me é superior. Portanto é isso que reconheço como a minha inspiração.

O Jorge é cantor, compositor e músico. No entanto muitas das suas letras e músicas dá a outros intérpretes. Em qual pele se sente melhor; na de ser cantor compositor, ou de dar as suas letras e músicas a outros intérpretes?
Às vezes também penso nisso. E se me pedissem para abdicar de uma delas, não saberia o que responder. Era como me amputassem de algo muito importante, porque qualquer dessas facetas me deixa muito feliz e me enche a alma…penso que não seria uma pessoa por inteiro se tivesse que abdicar de uma dessas partes. Se a vida me põe no meu caminho pessoas com talento eu tenho então a obrigação de ajudar dessa maneira. É uma parte da minha vida que eu dou aos outros…ou seja, é a vida a dar à própria vida. Por isso eu adoro dar poemas e músicas minhas às outras pessoas, como adoro cantá-las também.
Já vi o Jorge a acompanhar como músico outros fadistas. Lembro a Maria da Fé, Ana Moura, entre outros…
Também é fundamental para mim. É servir a música, e servir quem canta é algo que adoro fazer, por isso toco diariamente numa Casa de Fados. Não concebo a minha vida sem tocar e partilhar esta energia com os outros.

O Fado tem futuro?
O fado tem presente. E quando se tem pressente, tem-se sempre futuro...

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